Quem está atento aos projetos arquitetônicos de São Paulo já deve ter ouvido falar da Cidade Matarazzo, um complexo arquitetônico de altíssimo nível que redefine a paisagem urbana de São Paulo, e vai além ao abraçar a reurbanização de uma região histórica e icônica da cidade.
O complexo foi concebido respeitando o projeto do antigo hospital Umberto Primo e da maternidade Filomena Matarazzo, com edifícios tombados e outros reconstruídos em um terreno de aproximadamente 30.000 m², mas foi muito além. O empreendimento conta com três intervenções arquitetônicas contemporâneas erguidas em diálogo com construções históricas, transformando-o em um espaço multifuncional que inclui o hotel Rosewood São Paulo, único hotel brasileiro entre os 50 melhores novos hotéis do mundo. Reúne boa gastronomia, arte, cultura, diversidade e refinado lifestyle para cidade.
A Maternidade Filomena Matarazzo foi cuidadosamente restaurada para acomodar o hotel Rosewood São Paulo, que dispõe de 46 quartos elegantemente decorados pelo renomado designer Philippe Starck.
A Torre Mata Atlântica, uma impressionante obra arquitetônica contemporânea projetada pelo renomado arquiteto Jean Nouvel, vencedor do Prêmio Pritzker, foi erguida para abrigar 104 quartos de hotel e 122 suítes hoteleiras particulares.
A Capela Santa Luzia passou por um processo de restauração completo, possibilitando que ela retomasse sua função original de celebrar missas e cerimônias religiosas para toda a comunidade.
Um edifício corporativo de destaque, a Torre Rio Claro Offices foi erguido de frente para a Alameda Rio Claro, projetado pelo premiado arquiteto Rudy Ricciotti.
Além desses nomes, o desenvolvimento do projeto em questão reuniu um grupo notável de talentos e criatividade. Entre as figuras proeminentes que desempenharam papéis fundamentais, destacam-se nomes como Alexandre Allard, Rhada Arora, Ateliers de France, os Irmãos Campana, Adriana Levisky, Adam Kurdahl, Louis Benech, Benedito Abud, Malherbe e Triptyque. A diversidade de expertises e perspectivas trazidas por esses colaboradores ilustres foi fundamental para a realização bem-sucedida deste empreendimento, representando a fusão de habilidades excepcionais e visões criativas para o projeto.
Trazendo o passado à vida: explorando o Complexo Cidade Matarazzo
Neste diálogo enriquecedor com Adriana Lebrão, diretora de processos da BM Empreendimentos (empresa originalmente proprietária do imóvel onde situa-se o complexo Cidade Matarazzo), gestora de captação e leis de incentivo e responsável pelas tratativas com órgãos públicos para preservação do patrimônio histórico e as mediações com o setor privado, e com o responsável pelo projeto de restauro, Roberto Toffoli, exploramos os princípios e desafios por trás desse empreendimento inovador, que harmoniza passado e presente, sustentabilidade e sofisticação, cultura, identidade e comunidade. Eles compartilharam insights sobre o conceito arquitetônico, influências criativas, preservação do patrimônio histórico, sustentabilidade urbana e o papel transformador deste empreendimento na revitalização de São Paulo.
ImmobiHaus: Nascida da percepção do desejo de existência de um espaço arquitetônico tão especial, o que é essa Cidade dentro da nossa capital, já considerada uma força inspiradora para os cidadãos replicarem?
Adriana Lebrão: O empreendimento Cidade Matarazzzo, hoje, é um lugar cheio de surpresas e sempre em movimento, assim como a nossa vida. Um complexo que adequa tudo que há de mais moderno em tecnologia construtiva no mercado, mas que durante o processo de restauro, preservou com respeito, cada detalhe para manter o valor cultural, histórico e arquitetônico das edificações antigas e tombadas.
No início, para atender Alexandre Allard, francês e idealizador do complexo, o pequeno time de profissionais que trabalhava na criação do projeto teve que identificar a alma daquele espaço e ressignificar o seu uso para que todos pudessem entender a importância da preservação de nossa história e cultura. Como tive a oportunidade de participar do projeto desde antes da aquisição do imóvel, em 2011, fui conhecendo a concepção a partir da origem, e confesso que foi um grande desafio na época acreditar que seria possível gerar valor e luxo a um imóvel tombado com grandes limitações, que se encontrava abandonado há vinte anos e com uma ação civil pública instaurada há mais de uma década.
O caminho dos estudos da legislação, bem como dos direitos e benefícios que um imóvel tombado tem como estímulo para a preservação e restauro, foi a solução inicial escolhida para a busca de recursos, antes mesmo da participação de investidores. A comunicação com transparência dos setores público e privado foi um fator determinante para superar os obstáculos no processo de aprovações.
Passamos por muitos outros obstáculos durante o processo, mas em meio às dificuldades, nos unimos, crescemos e amadurecemos nas soluções cada vez mais arrojadas, porém de extremo profissionalismo, e claro, muita fé! Afinal, o maior deles estava na escavação invertida de oito subsolos abaixo da Capela de Santa Luzia (construída originalmente em 1922), que ocorreu sem óbices.
O restauro da antiga maternidade (construída originalmente em 1945) também teve inovações no quesito estrutural de obra, bem como adequações ao novo uso numa edificação tombada de nível 1. Vejam os detalhes na entrevista técnica com Roberto Toffoli, arquiteto responsável pela elaboração do projeto de restauro.
Immobihaus: Qual é o conceito arquitetônico por trás do design do Complexo Cidade Matarazzo e como ele se relaciona com a história do local?
Roberto Toffoli: A Cidade Matarazzo foi concebida a partir do conceito de regeneração. Isto é, de revalorização das riquezas ambientais e culturais à luz das demandas contemporâneas. Essa ideia é particularmente clara no tratamento dado aos edifícios tombados, que tiveram suas características culturais mais relevantes preservados, ao mesmo tempo que criamos uma série de espaços novos destinados a usos e ocupações novas.
A transformação da maternidade Filomena Matarazzo no Hotel Rosewood São Paulo é um ótimo exemplo dessa filosofia de trabalho.
Immobihaus: Quais foram as principais influências arquitetônicas que os designers do Complexo Cidade Matarazzo consideraram ao criar o projeto?
Roberto Toffoli: A ideia de influência volta-se aos aspectos estéticos principalmente, o que reduz o desafio que enfrentamos. Do nosso ponto de vista, o design deve responder criativamente a problemas concretos.
Para ilustrar podemos citar os elementos em concreto concebidos por Rudy Riccioti para as fachadas do edifício Torre Rio Claro Offices – (onde está localizado o AYA Hub). Ao mesmo tempo em que se concebeu uma alusão a elementos vegetais, corroborado pela vegetação “trepadeira”, criou -se uma experiência inovadora em torno da produção daqueles elementos em concreto de alto desempenho. Nosso mundo gira a partir dos desafios e suas oportunidades criativas.
Immobihaus: Como a arquitetura do complexo combina elementos históricos e contemporâneos para criar uma experiência única para os visitantes?
Roberto Toffoli: A Cidade Matarazzo, assim como outros projetos internacionais, valoriza o patrimônio existente. Nosso mérito está em trabalhar as relações entre o existente e o novo, a partir de arranjos originais, que mesclam ousadia e excelência técnica.
A Capela Santa Luzia é um símbolo dessa integração entre arte, engenharia e arquitetura. Iniciamos com um grande projeto estrutural, que permitiu que escavássemos seu subsolo, para então realizarmos uma minuciosa restauração e concluirmos com a instalação de um vitral contemporâneo, criado pelo artista Vik Muniz. Foi um trabalho contagiante e inspirador.
Immobihaus: Quais desafios arquitetônicos foram enfrentados ao integrar estruturas antigas e novas no complexo? Como esses desafios foram superados?
Roberto Toffoli: Dentre as maiores contribuições da Cidade Matarazzo para a cultura técnica brasileira, está o resgate de nossa autoestima. A tradição de arquitetura e engenharia no país são internacionalmente reconhecidas através de nomes como Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha. Mas, isso não tem representado o nosso passado mais recente.
As dificuldades no mercado de projetos e construção prejudicaram o desenvolvimento de novas soluções. Assim, ao nos deparamos com os desafios para aquele sítio histórico percebemos ser uma oportunidade privilegiada para reverter o quadro.
Nossa equipe composta por profissionais brasileiros, franceses, italianos, portugueses, entre outras nacionalidades, conseguiram alinhar esforços e promover verdadeiras “obras de arte” em engenharia e arquitetura.
Immobihaus: Quais princípios de sustentabilidade foram incorporados ao design do Complexo Cidade Matarazzo? Como a arquitetura contribui para a eficiência energética e a redução do impacto ambiental?
Roberto Toffoli: O AYA hub, situado na Torre Rio Claro Offices, que ocupa uma área de 2,5 mil metros quadrados e possui três pavimentos e um rooftop, está harmoniosamente integrado a uma vasta área verde de três hectares de Mata Atlântica. Além disso, está conectado a um espaço multiuso de eventos com 7 mil metros quadrados. No topo do edifício, foram instaladas placas de energia solar para suprir todas as necessidades do complexo. O projeto em sua totalidade é dotado de infraestrutura e tecnologia de ponta, desenvolvidos dentro dos requisitos para a certificação LEED Platinum V4 – pioneira no Brasil. O design do espaço foi planejado para minimizar a pegada de carbono, desde sua concepção até o funcionamento, tendo em mente também a qualidade de vida e experiência do usuário.
Revestido por cipós feitos em concreto modelado, o edifício é uma imponente homenagem à natureza e à importância da conexão entre pessoas e negócios com a floresta. Essa reverência está refletida na arquitetura e em todas as escolhas de materiais para a construção do prédio.
Immobihaus: De que maneira as características arquitetônicas do Complexo Cidade Matarazzo contribuem para a experiência sensorial dos visitantes, seja por meio da luz natural, da acústica ou de outros elementos?
Roberto Toffoli: Uma característica arquitetônica significativa do complexo Cidade Matarazzo, que enriquece a experiência sensorial de visitantes, é a abordagem voltada para a escala humana. Aqui, é possível apreciar os telhados das edificações iluminados pela luz natural, protegidos acusticamente por elementos naturais, incluindo as árvores preservadas. O barulho da Av. Paulista é isolado, não sendo audível do empreendimento.
Immobihaus: Como o Complexo Cidade Matarazzo foi integrado ao contexto urbano circundante? Quais estratégias de planejamento urbano foram adotadas para garantir uma transição suave entre o complexo e a área vizinha?
Roberto Toffoli: Dentre as discussões atuais mais relevantes, está a participação das empresas na construção de espaços urbanos qualificados.
Assim, o empreendimento vai além da sua concepção inicial ao abraçar a reurbanização da Alameda Rio Claro por meio de obras viárias, em estrita conformidade com a certidão de diretrizes estabelecidas. Além disso, o projeto incorpora uma abordagem inclusiva, promovendo a inclusão social como parte integrante do seu conceito.
Note que é uma visão sistêmica, generosa e pró-ativa de produzir soluções de regeneração urbana, de suas riquezas ambientais, culturais e sociais.
Immobihaus: Qual é o papel do Complexo Cidade Matarazzo na revitalização ou transformação urbana da região? Quais impactos ele teve no desenvolvimento local e na paisagem urbana?
Roberto Toffoli: Existem aspectos óbvios, como a restauração dos edifícios tombados pelo patrimônio histórico e a plantação de 10 mil novas árvores.
Porém o nosso caráter transformador vai além. Acreditamos que nosso modelo de trabalho pode mostrar a seguimentos tradicionais e conservadores dos mercados, que é possível gerar riqueza nova, de base tecnológica, de forma harmoniosa com o planeta.
Acreditamos que a cidade é ambiente de diversidade e criatividade, e nisso o nosso trabalho reforça tal percepção.
Immobihaus: De que maneira o projeto do complexo aborda questões de uso misto do solo e diversidade de funções urbanas? Como ele promove a coexistência harmoniosa de espaços residenciais, comerciais e culturais?
Roberto Toffoli: Somos um ecossistema integrado tecnologicamente. Isso significa que:
- Nossas atividades são sinérgicas entre si,
- São integradas através de um sistema de aplicativos e ferramentas que promovem serviços e criam conteúdos que qualificam a experiência do usuário,
- Isso se traduz especialmente em um conjunto de espaços privilegiados em termos de design e arquitetura.
A integração entre as partes é a chave do sucesso do sistema.
Immobihaus: Quais são os espaços públicos dentro do Complexo Cidade Matarazzo e como eles foram projetados para promover interações sociais e comunitárias?
Roberto Toffoli: A principal atração dos espaços públicos é a cultura, que estará presente em todos os cantos do complexo, como nos quiosques de artesanato e na Casa de Criatividade. Esta última abrigará uma extensa programação cultural, incluindo teatro, salas de exposições, laboratório criativo infantil, entre outras atividades.
Immobihaus: Como a preservação do patrimônio histórico do local foi considerada no planejamento urbano do Complexo Cidade Matarazzo? De que forma a integração desses elementos históricos contribui para a identidade e a atratividade do novo espaço?
Roberto Toffoli: Esse é um aspecto inovador do projeto que foi pensado nesse contexto brasileiro. O plano diretor do empreendimento considerou as questões de preservação do patrimônio histórico desde o primeiro momento.
Assim, compreendemos desde o princípio que a história agregaria valor cultural e econômico ao nosso negócio. O sucesso do hotel Rosewood São Paulo ilustra bem essa questão. A valorização dos espaços históricos, o acervo artístico, o design brasileiro, tudo isso cria um sentido de lugar único, sofisticado e acolhedor.
Immobihaus: Quais estratégias de design foram implementadas para garantir a sustentabilidade urbana do complexo? Isso inclui aspectos como eficiência energética, gestão de resíduos e uso responsável dos recursos naturais?
Roberto Toffoli: Além das medidas de eficiência energética mencionadas anteriormente, realizamos relatórios de impacto na vizinhança a cada seis meses, incluindo medições mensais de ruído, controle de geração de poeira, gestão de resíduo, entre outros.
Immobihaus: Quais foram os desafios enfrentados em termos de regulamentações urbanas e como eles foram abordados durante o desenvolvimento do complexo?
Roberto Toffoli: A dimensão institucional do empreendimento também trouxe inovações. Por meio de uma comunicação transparente, contamos com a participação ativa dos diversos órgãos de preservação, incluindo o Condephat, Conpresp, Depave, Decont, CET, Prefeitura, Corpo de Bombeiros, entre outros. Todos estiveram alinhados para aprovação dos projetos deste empreendimento.
Immobihaus: Para concluirmos, o que você considera ser o maior destaque para que o projeto se tornasse uma referência, e qual o desejo para o futuro?
Adriana Lebrão: Com a obra da fase 1 concluída operando um complexo hoteleiro desde o início de 2022, e já com prêmios e reconhecimento internacional, podemos ter a certeza de que atingimos o objetivo de levar o projeto a uma referência mundial no quesito preservação da história, do meio ambiente, da cultura, do verde, da arquitetura e da educação. Temos um constante compartilhamento de conhecimento através das oficinas de restauro para participação da sociedade criativa. A obra da fase 2 do projeto será concluída em breve e nela temos a mesma pretensão.
Desta forma, nosso maior desejo é de que este projeto seja replicado em outros imóveis tombados de todo o país e no exterior, e que este exemplo seja propulsor de uma corrente de sucesso na preservação da história, para que possamos assim, reconhecer nossa identidade através do tempo.
Por fim, conseguimos gerar valor e luxo, pois Luxo é poder acreditar naquilo que parece impossível de realizar.